14 de abr. de 2010

Concentração de mercado?

Em 1993, Sylvester Stallone estava em uma fase da carreira em que se dava ao luxo de satirizar a si mesmo. Depois de fazer cinco filmes da série Rocky e três Rambos, consagrado como ator de filmes de ação, ele decidiu não se levar nem um pouco a sério. Nessa fase está um filme bem interessante: “O Demolidor”. Em uma movimentada paródia dos blockbusters que o projetaram, Stallone faz o papel de John Spartan, um policial que, depois de passar 40 anos em uma câmara criogênica, é descongelado para perseguir um criminoso sanguinário (Simon Phoenix / Wesley Snipes) em um mundo em que a polícia está completamente despreparada para lidar com esse tipo de problema, uma vez que Los Angeles tornou-se uma cidade utópica, onde todos vivem em paz e o pensamento politicamente correto chega ao ponto de proibir o consumo de hambúrgueres.

No filme, que arrecadou cerca de US$ 168 milhões nas bilheterias de todo o mundo, há inúmeros momentos espirituosos (como aquele em que Stallone se surpreende ao saber que Schwarzenegger foi eleito presidente) e em uma dada ocasião a personagem de Sandra Bullock convida Spartan para jantar no Taco Bell, explicando que, desde que a empresa venceu a guerra do fast food, todos os restaurantes da cidade têm a mesma marca! Um exagero futurista que vem bem a calhar com toda a discussão recente a respeito do aumento da concentração no varejo brasileiro, em especial no setor eletroeletrônico.

O fato é que desde os tempos de Adam Smith a dinâmica do capitalismo leva a uma acumulação de capital nas mãos de poucos grupos, mais bem preparados e capazes de não apenas compreender, mas antecipar as mudanças tecnológicas, sociais e comportamentais. Das fábricas de tecido na Inglaterra no século XVIII à indústria de alimentos mundial de hoje, passando por todos os segmentos de mercado, existe um constante movimento em que um mercado fragmentado, ao ganhar corpo, começa a ter algumas empresas líderes, que tornam-se mais fortes e crescem mais rápido que os concorrentes, ocupando mais espaços no mercado. Não apenas pelo crescimento orgânico, mas também por fusões e aquisições, esse processo leva à criação de alguns poucos grupos que dominam parcelas expressivas do mercado.

Entretanto, no varejo brasileiro esse processo ainda está em evolução. Se nos supermercados os cinco maiores operadores detêm cerca de 45%, em países como o Reino Unido esse percentual chega aos 75%. Mais próximo daqui, no Chile dois grupos detêm a quase totalidade do varejo supermercadista, três empresas controlam o setor de farmácias e outras três, as lojas de departamentos.

Por conta disso, ao longo do tempo surgiram diversas alternativas para que o pequeno varejo não apenas subsista, mas prospere contra a maré aparentemente irreversível de consolidação. Um exemplo são as franquias. Sob esse modelo, cada pequeno empresário não apenas continua no mercado, como ganha novas ferramentas e todo um arsenal de conhecimento trazido pelo franqueador, para dessa forma crescer, abrir novas lojas, continuar a se expandir. Ou ainda as Centrais de Negócios, em que pequenos operadores independentes assumem uma marca comum e, patrocinados ou não por um player maior (que pode ser um atacadista interessado em manter sua força de mercado ou um varejista que percebe que em certas regiões não possui o entendimento da cultura local ou o formato de negócios mais adequado), unem forças para desenvolver compras, logística, marketing, comunicação e muitas outras atividades.

Essas alternativas de inclusão do pequeno varejo no grande tabuleiro de xadrez das redes cria casos interessantes, em que os pequenos, se considerados sob a bandeira única na qual trabalham, são maiores que muitos “grandes”. Um exemplo é a Euronics, segunda maior varejista de artigos eletrônicos da Europa, com 11.300 pontos de venda em 29 países (todos varejistas independentes) e faturamento conjunto de 14,4 bilhões de euros em 2008. No Brasil, a rede de serviços automotivos DPaschoal buscou operadores independentes ao perceber que não conseguiria levar seu modelo de lojas para cidades menores e, em vez de estabelecer uma concorrência direta, realiza um trabalho de capacitação desses operadores, em um movimento em que a rede, os operadores independentes e os consumidores saem ganhando.

É evidente que as atenções da imprensa se concentram nas grandes fusões e aquisições que envolvem líderes de mercado, devido ao seu impacto no mercado e na sociedade e ao seu potencial midiático. Entretanto, pintar, a partir daí, cenários de monopólio é ignorar não apenas o grau de consolidação da própria indústria, mas principalmente a capacidade de inovação dos pequenos e médios operadores, que não estão dispostos a ficar parados esperando serem engolidos.

Alternativas existem, para todos os gostos: franquias, licenciamento, Centrais de Negócios, sócios-empreendedores. É uma questão de ousar. E usar. Renato Müller da GS&MD

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